Uma grande ideia, uma grande reunião e uma grande confusão
Ragognetti, Cervo e Marzo começaram, então, a elaborar um plano para a criação de um clube de futebol. O problema é que a vida dos italianos e de seus primeiros descendentes não era lá muito fácil, e o dinheiro, quase sempre contado, mal dava para as despesas diárias, quanto mais para perdulários arroubos tipo a fundação de um time de futebol.
A sorte dos três rapazes foi a inesperada visita de dois clubes italianos ao Brasil e, claro, a São Paulo/SP. O Torino, já naquela época bastante popular, e o Pro Vercelli, encantaram os brasileiros e os paulistas com suas exibições. Perplexos diante de tanto talento, os olhos dos nossos meninos marejaram de emoção ao ver as duas equipes mostrando toda a sua qualidade. E dentro do peito de cada um deles cresceu ainda mais a certeza de que os filhos da Itália e os filhos dos filhos da Itália mereciam ter um clube só deles.
Aproveitando-se do clima de euforia que tomou conta da Cidade, Vincenzo Ragognetti esperou apenas que o navio com as duas delegações deixasse o porto de Santos/SP em direção à Europa para arregaçar as mangas e, enfim, fundar o clube. Para tanto, utilizou a influência que tinha como jornalista e redator do jornal Fanfulla, um órgão exclusivamente voltado à colônia e que, aliás, era todo escrito em língua italiana. Despojado e decidido, publicou o seguinte anúncio, aqui devidamente traduzido, na edição do dia 19 de agosto de 1914: “Todos os quais desejarem participar da criação de um clube italiano de futebol devem comparecer às 20h00 de hoje no número 2 da Rua Marechal Deodoro para a reunião de fundação do Palestra Itália”. O nome, como se vê, já fora decidido pelos três.
A ideia dos jovens rapazes era simples: explicar aos compatriotas, sobretudo aos financeiramente mais privilegiados, o quanto seria importante para a colônia ter um local próprio e exclusivo para a prática do futebol, o esporte que já começava a ganhar o mundo. Seria uma maneira de unir as famílias italianas e, desta forma, afrontar a supremacia e a arrogância dos paulistas, que mesmo após tantos anos ainda insistiam em tratar os “oriundis” como escravos – ou quase como.
Em outras palavras: a principal razão do nascimento daquele que hoje é a maior paixão de todos nós foi política (como aliás aconteceu com quase todos os grandes clubes brasileiros). Tendo algo para unir sardenhos, calabreses, sicilianos, romanos, lombardos, napolitanos, etc., naturalmente rivais entre si, fortalecer-se-iam os laços entre todos – e, como se sabe, quando unidos somos sempre mais fortes. Seria, enfim, uma ótima ação para fechar o gueto.
Tinham os três rapazes a mais plena certeza de que, após a explanação, carteiras se abririam e o dinheiro necessário para o pontapé inicial da vida palestrina começaria a saltar das algibeiras.
Ledo engano: na hora da reunião, criou-se uma grande confusão. A maior parte dos presentes acreditou que o novo clube teria, além do futebol, também toda uma parte social, com recitais, bailes, saraus, etc. Mas Cervo, Ragognetti e Marzo estavam decididos: a única maneira de transformar, a curto prazo, o Palestra Itália em um elo entre todos da colônia e, a médio prazo, em um dos grandes times de São Paulo seria centralizar todos os esforços e recursos apenas no futebol. Se outras atividades tivesse, o clube seria apenas mais um, e este não era o seu objetivo e muito menos haveria de ser a sua sina. Com os ânimos totalmente exaltados – e discussão entre italianos tem lá outro jeito de ser? -, não houve clima para que a reunião continuasse.
Ragognetti, então, em novo anúncio do Fanfulla, convocou um novo encontro para a quarta-feira seguinte, 26/08/1914, quando então se decidiria se de fato o Palestra Itália nasceria ou se não passaria de um sonho de algumas noites de inverno. Mas que ficassem todos cientes: o futebol seria o único motivo do surgimento do clube. Portanto, dentro de sete dias somente deveriam voltar a mesma Rua Marechal Deodoro, nº 2, aqueles que concordassem com esta prerrogativa.
Que o Palestra Itália nasceu todos nós, claro, já sabemos. Mas em nosso próximo encontro, teremos a oportunidade de saber como isso, de fato, se deu, saberemos como nosso primeiro personagem, Caetano Tozzi – lembram-se dele? – participou e conheceremos, também, certo homem de meia idade, sem o qual o Palmeiras, hoje, sequer existiria.
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22/01/2025 at 12:12
Bom dia, Márcio.
Eu tenho descendência italiana e, por isso, falo alto e gesticulo muito quando falo. Além disso, sou passional e levo meus sentimentos muito a sério.
Fico imaginando uma reunião formada só por italianos em 1914. Não existia a menor possibilidade de se obter qualquer consenso na primeira reunião e me admira muito terem saídos vivos da sala.
Fiquei surpreso hoje quando descobri que a palavra “palestra” em italiano significa “academia” em português e acredito que encontrei a razão pela qual fazemos referência aos nossos melhores times com este termo. Uma das definições de academia é “instituição vocacionada para o ensino, a cultura e a ciência, nomeadamente as artísticas, literárias, científicas e físicas, filosóficas etc.”
Será que a ideia de Cervo, Ragognetti e Marzo com o nome Palestra Itália era indicar uma instituição cuja a vocação era o futebol?
Um abraço.
Valter
22/01/2025 at 20:55
Valter, salve!
Na tal primeira reunião de fundação, como eu contei, as notícias da época é que cadeiras voaram até a rua – rs…
Em relação ao nome “Palestra”, com toda a certeza a razão foi justamente a que você citou.
Não perca os próximos capítulos – rs!
Abs.
22/01/2025 at 12:05
Boa tarde caro Trevisan, mais uma Linda História narrada por este conceituado Site, vale lembrar que sou filho de imigrante Calabrês e sei o quanto foi difícil trabalhar para formar o que é São Paulo hoje e junto com todos os imigrantes.
Parabéns e abraço.
22/01/2025 at 20:53
Olá, Alfano.
Que bom que vc, assim como eu descendente de italianos, está gostando. Muito obrigado.
E se prepare: novas emoções virão.
Abs.
21/02/2015 at 10:36
Olá Márcio, fantástica essa narrativa, ela é parte de uma obra maior? Toda essa saga merece um registro à altura de nossa história. Parabéns por (também) esse trabalho, um forte abraço!
22/01/2025 at 20:52
Olá, Celso.
Muito obrigado pelo elogio.
Nossa História é contada em capítulos semanais, sempre às terças-feiras, como se fosse um antigo folhetim.
Quanto a se tornar um projeto maior, só o tempo poderá dizer.
Forte abraço.