O DIA MAIS FELIZ DA MINHA VIDA

       12 de junho de 1993.

      Esta data lhe diz algo? Sim, claro, foi mais um Dia dos Namorados. Mas o que mais? Vamos lá, puxe pela memória. Lembre-se de um sábado, frio pra caramba, do Morumbi lotado. Tente recordar um time de camisas verdes festejando e outro, que se vestia de preto e branco, chorando. E então, já sabe do que estou falando? Eu sabia que não iria demorar muito para você se lembrar. Naquela data, o Palmeiras pôs fim a uma terrível fase de quase 17 anos sem a conquista de um título expressivo no futebol profissional. 

      Lembro-me de estar escalado pela A Gazeta Esportiva, jornal em que como repórter trabalhava na época, para cobrir aquele jogo. Na semana anterior, amargara a derrota por 1 a0 para o Corinthians e, pior, tive de olhar, calado, a maldita imitação do Viola. Mas ele e o time dele não perdiam por esperar – o Verdão daria o troco. Até diziam, me recordo, que alegria de corintiano era como liquidação do Mappin: só durava até Sábado (Mappin, para os bem mais jovens, era uma enorme e tradicional loja de departamentos que ficava na Praça Ramos de Azevedo, bem no Centro de São Paulo/SP). 

     Durante toda a semana, suportei calado as provocações na redação. Eram os corintianos, certos de que levariam a melhor e, enfim, vingariam 1974. À medida que o dia da grande decisão ia chegando, meu coração passava a bater mais forte, minha boca secava a toda hora, estava tenso e ansioso. Chegava a sonhar com o jogo. 

      O Palmeiras se concentrou em Atibaia, cidade do Interior paulista, e lá fui, na quarta-feira, cobrir os treinamentos do time e – que sorte! – ficar hospedado no mesmo hotel. Era como se fizesse parte da equipe, como se estivesse concentrado também. Nem poderia imaginar que, nove anos mais tarde, viria a fazer parte do time. Mas esta é uma história para outra crônica. 

      Nosso time era forte demais. Wanderley Luxemburgo no comando, Sérgio no gol, Mazinho e Roberto Carlos nas laterais, Antônio Carlos e Tonhão na zaga, César Sampaio, Daniel Frasson e Zinho no meio-campo, Edmundo e Evair no ataque. Está faltando um? Deixa eu ver… Ah, é, está faltando um cara no meio. Eu me lembro dele: negro, pequeno, habilidoso, contratado ao Guarani de Campinas/SP, dono de um futebol alegre e de um sorriso largo a cada gol que fazia. 

      Lembro-me, até, de que ele jogava com a camisa10, a mesma do Ademir da Guia. Mas, gozado… Não consigo me lembrar do nome dele. Ou melhor: faço questão de me esquecer. Aliás, acho que todo palmeirense é como eu: já o apagou da memória, o enterrou pra sempre, depois de umas embaixadas que provaram qual sempre foi o seu verdadeiro caráter. Bom, como disse, deixa esse cara pra lá. 

    

Evair marca o quarto gol do Palmeiras. Era o gol do título.

Voltemos àquela inesquecível tarde. Nossa vitória foi construída aos poucos. Um gol no primeiro tempo, mais dois no segundo. Nocauteamos o Corinthians, mas não sem antes machucá-lo bastante. E a cada golpe (ou a cada gol) que fazíamos, era como se lhe devolvêssemos todos os anos de sofrimento, de olhos voltados para o chão, de lágrimas correndo pela face. E, principalmente, de um orgulho ferido. Afinal, desde 1976 apenas nos curvávamos diante da força de nossos adversários. Naquela tarde, porém, foi o nosso grito que ecoou pelo mundo. 

      O árbitro José Aparecido de Oliveira apitou o fim do jogo em seu tempo normal. No placar, 3 a0 para o Palmeiras, fora o baile. Do outro lado, o bom e honesto Nelsinho Baptista parecia prever pelo pior. Reunido com seus jogadores próximo ao seu banco, ele gritava com todos. Dedo em riste, olhava principalmente Viola. De seus olhos saíam farpas. Quase pude ouvi-lo berrar: “Viu o que você fez? Você encheu o Palmeiras de brios! Por que você não imita um porco agora?”. 

      Estávamos, então, a apenas 30 minutos do tão sonhado título. Na prorrogação, ao contrário do que acontecera nos 90 minutos iniciais, a obrigação da vitória era deles. Eles, então, que corressem atrás dela. Nosso time ficaria só esperando o apito final, certo? Errado. No fundo, toda a torcida sabia que éramos superiores, e nossos jogadores também. O resultado foi uma pressão ainda maior, e mais um gol, de pênalti, que selou a goleada por4 a0 e a inesquecível vitória. 

      Eu me lembro de que, cinco minutos antes do fim da prorrogação, pude entrar no gramado. Fiquei atrás do gol de Wilson – o goleiro Ronaldo havia sido expulso – e ainda pude ver Edmundo marcar o quinto gol, um golaço por sinal, mas que foi anulado. Pena… Não estivesse impedido, o Animal teria tornado a conquista ainda mais gostosa. 

      Em toda a minha carreira, só perdi o senso profissional uma única vez. E foi logo após o apito final daquele jogo. Em vez de entrevistar nossos campeões, os abracei. Sérgio, César Sampaio, Daniel Frasson… Recordo-me, também, que comemorei muito com uma jovem jornalista, também palmeirense, e que lhe disse uma frase curtíssima, mas que sintetizava a magia daquele momento: “Acabou!”. 

       De fato, acabara o sofrimento, a fila, a sina de perdedor que por tantos anos nos acompanhara. Naquele momento, abriu-se no rosto de cada palmeirense um sorriso tão largo, mas tão largo, que nenhuma derrota futura conseguiria ou conseguirá ocultar por completo. 

      Passados, hoje, exatos 30 anos daquela fria tarde de Sábado, Dia dos Namorados, chego a uma conclusão: aquele dia, meus amigos, foi o mais feliz da minha vida. 

P.S.: Por favor: não contem isso à minha esposa. Ela tem certeza de que o dia mais feliz da minha vida aconteceu exatos dois anos mais tarde, numa igreja no bairro da Aclimação.

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