CAP. 107 – DIVINO PELA PRÓPRIA NATUREZA

Viajando pelo túnel do tempo que nos faz relembrar os mais importantes momentos da história do Palmeiras, já tivemos a oportunidade de dedicar alguns capítulos exclusivamente a jogadores. Embora todos os que até aqui assim foram escolhidos o tenham feito por merecer – situação idêntica à qual estarão os futuros convocados –, é indiscutível que ninguém superará o protagonista deste capítulo de “Nossa História”. 

Ele tinha tudo para ser apenas o filho de Domingos, craque zagueiro que só poderia mesmo ter o nome do dia consagrado ao futebol. Mas ele nasceu para superar o pai. Para defini-lo, talvez seja necessário apenas um adjetivo: divino. Ademir da Guia não foi apenas o melhor jogador do Palmeiras; ele é o próprio Palmeiras, tanta parte faz da história deste clube. Vê-lo jogar, para os que esta sorte tiveram, foi um prazer comparável apenas à genialidade do seu próprio futebol. 

Poucos sabem, porém, que Ademir nem sempre foi uma unanimidade. Aos 19 anos, contratado pelo diretor de futebol Mário Beni ao pequeno Bangu/RJ, ele tremeu diante da responsabilidade de ser o futuro sucessor de Chinesinho. Aquele menino sempre tão tímido e calado permitiu que a grandeza e a pujança da Cidade de São Paulo/SP e a pressão da sempre apaixonada torcida palmeirense o calassem e intimidassem ainda mais. Daí o apelido que ganhou em seus primeiros meses de Verdão: bonde. Sim: cometeram os mais precipitados o hediondo crime de comparar Ademir da Guia ao meio de transporte que, em 1962, já começava a se tornar obsoleto na Capital paulista. 

Mas bastaram apenas algumas partidas para que o menino provasse que tinha, como diria pouco depois Armando Nogueira, nome e sobrenome de craque. Tempo, aliás, foi o que não faltou a Ademir: ao todo, foram 15 anos, cinco meses e 14 dias de serviços prestados ao nosso clube, contados desde sua estreia até sua última partida oficial. 

Por falar em seu primeiro jogo pelo Verdão, existe aí uma polêmica. Quando se fala em Ademir da Guia, algumas afirmações são incontestáveis: foi o melhor jogador da história do Palmeiras, o que mais vezes vestiu nossa camisa, o que mais títulos ganhou, etc. Mas quando, afinal, aconteceu seu “debut” pelo time principal?

Há aqueles que afirmam que isso se deu em 10 de dezembro de 1961, em um amistoso disputado na cidade de Jundiaí/SP contra o Promeca local. Este historiador, porém, após muito pesquisar, chegou à conclusão de que aquele jogo não pode ser considerado como tal por duas razões: a primeira é que o adversário era uma equipe amadora, que aliás havia pouco se tornara campeã do torneio varzeano da cidade; e a segunda é que, naquela oportunidade, o Palmeiras atuou com uma equipe mista, já que no dia anterior derrotara a Esportiva de Guaratinguetá/SP por 3 a 0, pelo Paulistão.

Desta forma, a primeira vez que o Divino desfilou seu talento pelo nosso time só foi acontecer quase quatro meses mais tarde, em um amistoso contra o Paulista de Santa Bárbara D’Oeste/SP. Ademir, aliás, atuou apenas no primeiro tempo, sendo substituído no intervalo por Paulinho. Daí em diante, foi uma sucessão de partidas histórias, gols antológicos, passes magistrais, títulos inesquecíveis e um amor incondicional e recíproco – dele pelo Palmeiras e de todos os palmeirenses por ele. Um dado interessante da passagem do Divino pelo Verdão é que ele foi titular em 98.7% dos jogos que disputou – ou seja, das 903 partidas que jogou, começou jogando em 892! 

Praticamente não vi Ademir jogar – quando disputou seu último jogo pelo Verdão, em 1977, este jornalista e historiador contava, apenas, nove anos. Mas, para escrever sobre ele, talvez nem seja preciso ter visto suas passadas vagarosas e simultaneamente mortais, sua falsa frieza em campo, seus quase 90% de acerto nos passes, segundo calculou um dia o técnico Oswaldo Brandão. Como escreveu certa vez o poeta João Cabral de Melo Neto, “Ademir impunha com seu jogo o ritmo do chumbo e o peso da lesma, da câmera lenta, do andar na areia, do homem dentro do pesadelo, entorpecendo e então atando o mais irrequieto adversário”. 

Ademir da Guia é divino pela própria natureza. 

ATENÇÃO: ESTA É UMA OBRA DE PROPRIEDADE INTELECTUAL, SENDO PROIBIDA SUA DIVULGAÇÃO TOTAL OU MESMO PARCIAL SEM A PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DO AUTOR. OS INFRATORES SERÃO RESPONSABILIZADOS CRIMINALMENTE.

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado Campos obrigatórios são marcados *

*

Você pode usar estas tags e atributos de HTML: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <strike> <strong>