CAP. 61: O PALESTRA NA II GUERRA MUNDIAL (PARTE I)

Lembramos logo nos primeiros capítulos de “Nossa História” que as guerras mundiais sempre foram parte importante na vida do Palestra Itália. A primeira, que eclodiu em 1914, por muito pouco não causou o fim do clube que há apenas alguns meses nascera, já que todos os fundos que os “oriundi” inicialmente doariam para a nossa fundação passaram a ser enviados à Cruz Vermelha italiana. Não fosse a ação de homens como Luigi Cervo, como contamos, certamente hoje não existiria o Palmeiras, e sabe-se lá por qual time torceríamos.

Mas a I Guerra Mundial não teria uma importância tão grande na vida do alviverde quanto a Segunda. Vítima de um nacionalismo exacerbado e por isso mesmo absurdo, o Palestra teve que se curvar às pressões e aos escusos interesses alheios sob pena de, caso resistisse mais do que resistiu, ver seu patrimônio dilapidado e terminando em mãos indevidas. Antes, porém, de explicar porque a guerra influenciou a vida do nosso clube, creio ser necessário discorrer um pouco sobre o conflito.

Em 1942, a Segunda Grande Guerra estava no auge. Havia ameaças de bombardeios em todos os cantos do planeta, tal a força que tinha a temível Luftwaffe, a força aérea alemã. O risco era tão iminente que, mesmo em locais em que poucos acreditavam que bombas pudessem cair, como em São Paulo/SP, aconteceram blecautes propositais: por determinação do governo, todas as luzes da Cidade, inclusive as das residências, foram algumas vezes apagadas das 20h00 às 22h00. Tratava-se de um treinamento: se um bombardeio acontecesse à noite, este ato atrapalharia a ação do inimigo, que perderia os pontos de referência para os alvos.

Tal atitude só foi tomada em 1942, praticamente três anos após o início da II Guerra Mundial, porque foi este o tempo em que o Brasil conseguiu ficar “em cima do muro” da questão. O então presidente da República, Getúlio Vargas, demorou o quanto pôde para decidir entre os aliados, liderados pela Inglaterra e pelos Estados Unidos, ou pelo Eixo, que tinha a Alemanha como estrela principal e a Itália e o Japão como coadjuvantes.

O ex-presidente Getúlio Vargas

A relutância entre optar por um ou pelo outro lado, ainda que a postura nazista deixasse bem claros seus nefastos propósitos, se deu principalmente por questões econômicas: enquanto não tomasse partido, o Brasil poderia se valer financeiramente da luta entre os dois lados. Houve, também, a questão política, já que na ditadura em que estava o País naquela época existiam, entre os políticos de Vargas, muitos simpatizantes do Fascismo criado pelo líder italiano Benito Mussolini, aliado dos nazistas.

Getúlio, desta forma, só decidiu optar pelas forças aliadas quando recebeu uma pressão do então presidente norte-americano, Franklin Roosevelt: os aliados precisavam utilizar o litoral do Rio Grande Norte, ponto estratégico na geografia do conflito, para a construção de bases aéreas e marítimas. Em troca, cerca de US$ 20 milhões seriam doados para a construção da Companhia Siderúrgica Nacional, a CSN, menina-dos-olhos do então ditador brasileiro. Se não cedesse seu território, tal postura seria considerada uma “má vontade” para com os aliados.

Comentava-se pelos quatro cantos do País, em tom irônico, que se não atendesse ao pedido dos Estados Unidos o Brasil poderia se tornar mais um “Quinta Coluna”, como ficou conhecido o serviço de espionagem que a Alemanha de Adolf Hitler espalhou pelo mundo.

Tal pressão surtiu efeito: cedemos Natal/RN para os americanos e, a partir de então, tornamo-nos inimigos das forças do Eixo. Mas o motivo “oficial” da entrada brasileira na II Guerra Mundial foi outro: a frota alemã afundara navios civis brasileiros em nossas águas territoriais e foi este o fato que fez o Brasil declarar guerra à Alemanha e, por consequência, também a seus comparsas. Com a decisão de enviar tropas à Europa, o Exército brasileiro surpreendeu o povo que, sempre brincalhão, dizia que nossos pracinhas só iriam à luta no dia em que cobra fumasse.

Teoricamente o Palestra, apenas um time do futebol brasileiro, nada tinha a ver com tudo isso, certo? Mas um ato de Getúlio Vargas acabou fazendo nosso clube, literalmente, entrar na guerra. Por meio de um decreto-lei assinado em junho de 1942, o presidente obrigava todas as instituições esportivas que tivessem nomes estrangeiros a mudar suas denominações. Por quê? Ninguém sabia explicar quais as vantagens que isso daria ao Brasil, mas lei é lei e, pelo menos naquela época, teve de ser cumprida.

Desta forma, o Germânia passou a ser Pinheiros; o Espanha, de Santos, Jabaquara; e o São Paulo Railway, que nem precisaria ter alterado seu nome, tornou-se Nacional. Até a Portuguesa de Esportes, outra que evidentemente não teria por que mudar nada, passou a se chamar Portuguesa de Desportos, se bem que ninguém viu muita diferença em tal alteração. Havia, naquela época, outro Palestra Itália no Brasil: o de Belo Horizonte/MG. Este, claro, também teve de mudar seu nome, passando a se chamar Cruzeiro/MG.

Mas a mudança mais traumática foi mesmo a nossa, a do Palestra Itália paulista, pois que então, sem dúvida, já se tornara um dos grandes do futebol brasileiro. Houve profunda relutância por parte de diretores, conselheiros e torcedores em aceitar tal imposição governamental.

Em nosso próximo encontro, continuaremos a falar sobre o tema, sem dúvida alguma a página mais marcante e importante de toda a história do nosso clube.

ATENÇÃO: ESTA É UMA OBRA DE PROPRIEDADE INTELECTUAL, SENDO PROIBIDA SUA DIVULGAÇÃO TOTAL OU MESMO PARCIAL SEM A PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DO AUTOR. OS INFRATORES SERÃO RESPONSABILIZADOS CRIMINALMENTE.

 

Para ler os capítulos anteriores, clique aqui.

 

3 Responses to CAP. 61: O PALESTRA NA II GUERRA MUNDIAL (PARTE I)

  1. Olá Márcio.
    Bom dia.

    Somente para dar um adendo e ilustrar tua brilhante exposição sobre a Segunda Guerra Mundial e o esporte, gostaria de tecer alguns comentários:

    1) Havia evidências que o Germania escondia em suas dependências espiões nazistas, oriundos do ABWHER (Serviço de Espionagem da Whermatch, ou Forças Armadas) e SD (Gestapo), ambos da Inteligência Alemã. Não esquecer que o Germania, desde a ascensão do Regime Nazista na Alemanha, em 1933, promovia desfiles e adventos de cunho nazista no clube e em todas as instituições esportivas que lhe eram correlatas, sócio-esportivas em geral.

    2) O Palestra Itália era de uma comunidade étnica que tinha como Bi-Campeão Mundial (1934), na França e Campeã Olímpica (1936), nas Olimpíadas de Berlim, nem mais, nem menos que a “Azzurra”, motivo mais que suficiente para despertar antipatias xenófobas potenciais do reacionarismo tupiniquim.

    3) Para a Itália de Mussolini, o Brasil não significava nada, pois, segundo os diários do conde Galeazzo Ciano, genro de Mussolini e seu Ministro das Relações Exteriores, desde 1937 até 1943, o brasil só foi citado 2 (DUAS) vezes: em janeiro de 1942, quando o Brasil rompeu relações diplomáticas com a Itália, pressionado pela Reunião dos Chanceleres Americanos, no Rio de Janeiro; e em 22 de agosto de 1942, quando o Brasil declarou guerra contra Itália e a Alemanha.

    4) Só para ilustrar: nos anos 1940 a maior seleção de futebol do mundo era a Argentina e esta só não foi Bi-Campeã Mundial nas Copas de 1942 e 1946 devido a Segunda Guerra Mundial as terem suspensas.

    Um abraço e um excelente Sábado.

    Roberval

    • Em tempo: O Bi-Campeonato Mundial da “Azurra” dera-se em 1934, na Itália e em 1938, na França.

    • Márcio Trevisan

      Rapaz: que aula de história.

      Espero que os próximos capítulos que tratarão deste tema estejam à altura dos seus conhecimentos.

      Muito obrigado, Roberval!!!

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado Campos obrigatórios são marcados *

*

Você pode usar estas tags e atributos de HTML: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <strike> <strong>