Tivemos a oportunidade de relembrar, no capítulo anterior de “Nossa História”, que no Campeonato Paulista de 1921 o Palestra Itália evitou, na última rodada, que o Corinthians faturasse o título. Ao goleá-lo por 3 a 0, os palestrinos acabaram garantindo ao Paulistano mais uma taça em sua então já vasta sala de troféus.
Mas o futebol, e talvez seja este um dos motivos que mais o tornam apaixonante, tem lá os seus mistérios. Seus deuses, muitas vezes, resolvem dar o ar da graça, talvez até para colocar em prova a verdadeira face de clubes e atletas. E foi exatamente isso o que aconteceu no Paulistão de 1922, cujo desfecho poder-se-ia considerar irônico se não nos tivesse sido trágico.
Desde o começo da competição, ficou bem claro que havia apenas dois aspirantes ao primeiro lugar: o Palestra e o time que, na época, ainda mandava seus jogos na Ponte Grande, bairro que hoje pertence ao município de Guarulhos/SP. O Paulistano, sabe-se lá por que, não apresentava a mesma força de campeonatos passados, ainda que em suas fileiras permanecesse jogando, e cada vez melhor, Arthur Friedenreich, o primeiro “Pelé” da história do futebol.
A prova do equilíbrio entre palestrinos e corintianos é que, ao fim do primeiro turno, ambas as equipes apareciam empatadas na primeira colocação, com três pontos perdidos (na época, a contagem se dava desta maneira, e não por pontos ganhos, como se faz hoje). A fim de que fique mais fácil o entendimento, esclarecemos: os dois times haviam somado 15 pontos. O clássico entre eles, aliás, também terminou empatado: 2 a 2.
No segundo turno o equilíbrio permaneceu. Parecia incrível, mas quando o Palestra Itália tropeçava, o Corinthians logo em seguida também pisava na bola. Nas últimas rodadas, porém, tudo indicava que conseguiríamos nosso segundo título, pois a cinco partidas do fim do torneio vencemos nosso principal rival por 3 a 2. Além disso, ganhamos também os três jogos seguintes e, a duas rodadas do final, dependíamos exclusivamente de nossas forças para mais uma vez pintar de verde e branco as ruas daquela Paulicéia, então ainda mais desvairada em razão da Semana de Arte Moderna que em nossa Cidade se realizou.
Mas eis que, na penúltima rodada, já disputada no ano de 1923, teve o alviverde uma atuação desastrosa diante do Paulistano, que já não tinha mais nada a aspirar dentro da competição. Só para se ter uma ideia do quão atrapalhada estava a equipe no começo do jogo, basta dizer que em apenas sete minutos o placar do campo do Jardim América já apontava 3 a 0 para os donos da casa. Conrado ainda diminuiu, aos 18, mas Fried, aos 29, e Mário Andrada, no começo do segundo tempo, deram números finais à partida.
Se tal vexame aja não fosse suficiente para abalar os alicerces esmeraldinos, quatro dias depois o Corinthians venceu, fora de casa, o Sírio, resultado que o colocou um ponto à frente na tabela e que também o deixou na dependência única e tão somente de seus próprios atletas para faturar o caneco.
Ao Palestra restaria vencer seu último jogo e torcer por uma derrota corintiana na derradeira rodada. Nossa equipe fez a sua parte, goleando o Ypiranga por 4 a 1 e chegando aos 29 pontos, contra apenas 28 do alvinegro. Mas, como dissemos, tinham “eles” uma última partida, exatamente contra o… Paulistano. Isso mesmo, meus amigos: tinha o time de Friedenreich a chance de retribuir o “favor” palestrino do certame anterior. Para tanto, bastaria ganhar o jogo e garantir ao Verdão mais um título estadual.
Nos dias que antecederam esta partida não se falou em outra coisa nas cantinas, padarias e bares de São Paulo/SP. Enquanto alguns apostavam que o Paulistano tudo faria para ganhar e assim ficar quite com o Palestra, outros garantiam que, para eles, há muito fora da briga pelo título, não importava se o campeão seria da Ponte Grande ou do Parque da Antarctica.
Infelizmente para todos os palestrinos, os mais pessimistas estavam corretos. Mal o árbitro Bartholomeu Guganni apitou o início do jogo e o Corinthians já abriu o placar – Tatu marcou aos 2 minutos. O Paulistano pouco ou quase nada pressionou, parecendo conformado com a derrota que, como dissemos, para ele nada representaria. No segundo tempo, Gambarotta fez aos 17 minutos seu 19º gol na competição, tornando-se desta forma campeão e também artilheiro do Campeonato Paulista de 1922.
Ao Palestra coube apenas a lamentação de mais um vice-campeonato obtido, aliás o quarto em sete torneios disputados – antes, já terminara na segunda colocação nos anos de 1917, 1919 e 1921. E também a certeza de que o Paulistano, além de um grande time, era também um grande mal-agradecido.
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