Quem presta atenção ao trânsito quando seu time é campeão após muitos anos?
A Cidade de São Paulo/SP tem hoje, aproximadamente, 8 milhões de veículos. Somente por este número já dá pra se ter uma idéia do quanto é difícil dirigir por aqui. Há 21 anos, claro, o número de carros circulando diariamente não era tão grande, mas podem apostar que também não era, assim, tão menor. Ou seja: conduzir automóveis nunca foi algo simples na antiga Terra da Garoa, e é por isso que desta vez eu vou falar do dia em que bateram, e feio, na traseira do meu Chevette/86.
Você notou que eu falei de 21 anos atrás. Pois é: a história se passou em 1993. Ainda está frio? Ok, outra pista: o fato se deu em junho de 1993. Esquentou, né? Então, segura mais uma dica: tudo ocorreu no dia 12 de junho de 1993. Agora ficou fácil demais… Sim, meus amigos, bateram no meu carro no dia em que o Palmeiras saiu da fila.
Já eram, mais ou menos, umas 11 da noite. Após o jogo, encontrei não sei onde o pouco que me sobrara de profissionalismo naquela gelada tarde de sábado e tive de ir à redação do jornal A Gazeta Esportiva, onde trabalhava como repórter, escrever o histórico texto da inesquecível conquista palmeirense. Mas a festa era tanta, o trânsito era tanto, que do Morumbi aos Campos Elíseos, onde ficava o jornal, demorei quase três horas.
Outra demora se deu quando fui escrever. Mesmo abstêmio, eu estava completamente embriagado… De alegria. E bastava eu ver um colega de redação corintiano para deixar o texto de lado e iniciar uma gozação inédita – afinal, aquele era o primeiro título que eu comemorava desde os 8 anos – e eu, então, já contava 25. Com muito esforço, porém, terminei o que tinha de terminar e fui embora.
Nas ruas, o que se via era um festival de carros e de pessoas, todos de verde e branco. Buzinas, papel picado, as chatíssimas e barulhentas cornetas, tudo era felicidade. Parecia até que toda a Pauliceia era palmeirense.
Parado no farol na Rua José Paulino, curiosamente onde foi fundado nosso maior rival, ligadíssimo no rádio AM que repetia os quatro gols do jogo, de repente ouvi um enorme barulho e um impacto que quase me fez bater com o nariz no parabrisa – na época, ainda não era obrigatório o uso do cinto de segurança. Um infeliz de um taxista, distraído, acertou em cheio a traseira do meu Chevette/86.
Fiquei louco de raiva e desci rápido, pronto pra brigar. Foi quando dei de cara com um homem assustado, com a maior cara de bumbum deste mundo, que ainda de dentro do seu veículo me falou:
__ Desculpe, meu amigo. Eu estava ouvindo a repetição do gol do Evair e acabei vibrando de novo. Aí, me esqueci de olhar pra frente. Mas eu faço questão de pagar o seu prejuízo.
Cheguei próximo àquele Opala branco, encostei o ouvido à janela entreaberta e pude comprovar que o taxista falava a verdade. E então lhe perguntei:
__ Por acaso o amigo é palmeirense?
__Claro, respondeu. E por acaso o amigo não é? Rebateu ele.
__Claro, respondi.
Daí em diante, a cena que se viu foram dois motoristas falando alto no meio da rua, mas que em nenhum momento discutiam sobre quem tinha ou quem não tinha razão. O que falávamos eram coisas como o show de bola no time “deles”, o quanto Evair era maravilhoso, a bola que Edmundo jogava, essas coisas.
E assim permanecemos por um bom tempo, sem que déssemos a mínima importância ao acidente. Depois de vários minutos, ele me perguntou:
__ Quanto o amigo acha que vai ficar o conserto da traseira do seu carro?
__ Uns dois mil, disse.
Ele olhou um bolso, revirou o outro, abriu a carteira, procurou algum trocado no porta-luvas, juntou tudo em uma só mão e falou:
__ O amigo me desculpe mas hoje, por causa do jogo, quase não trabalhei. Tenho só isso.
O “isso” era, mais ou menos, uns 200 paus – ou seja, cerca de 10% do que eu previra. Assim, minha reação foi imediata: peguei o dinheiro, coloquei no bolso, e lhe disse:
__ Tá tudo certo. Nosso time foi campeão e hoje não é dia de briga.
Apertamo-nos as mãos, trocamos um fraternal abraço e fomos embora, cada qual com seu prejuízo e com seu sorriso de campeão paulista estampado bem no meio da cara.
Obs.: as ilustrações desta matéria são de autoria do artista e meu amigo Bruno Venâncio, que em 12/06/1993 também estava muito feliz.
12/06/2014 at 20:39
KKKKKKKKKKKKKKKKKKK
Gostei e ainda não estavam ouvindo ao vivo, caramba, isso que é amar o Palmeiras, ouvindo a repetição da narração dos gols…… que coisa, nunca fiz isso, só vídeos mesmo…………….
13/06/2014 at 15:02
Olá, Beto.
Amar o Palmeiras… É, este amor jamais pôde e jamais poderá ser medido.
Obrigado pelo elogio e seja bem-vindo a esta seção.
Abs.